Mudança Climática: a agricultura não é a culpada
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Eis que o ano de 2024 ruma lentamente para sua finalização! Certamente será um ano lembrado pelos desastres climáticos como enchentes e incêndios ambientais, os quais causaram muitas perdas materiais e de vidas humanas e animais, e que colocaram o planeta em alerta para a mudança climática. Em meio às oscilações e amplitudes térmicas que trouxeram quebras históricas de recordes de frio ou de calor em diferentes épocas do ano, somado à fumaça que invadiu grande parte dos centros urbanos, não demorou “meio tempo” para que diferentes setores da sociedade apontassem culpados e, dentre eles, de novo os dedos miraram vorazmente para a agricultura e os produtores rurais.
Em verdade, pode-se dizer que os setores agrícolas da sociedade já se acostumaram com essa crítica, particularmente, por parte da sociedade urbana. No entanto, quem conhece o campo pode dizer com propriedade que a agricultura não deve e não pode ser o bode expiatório de uma realidade bem mais complexa. Poucas pessoas sabem que a atividade agropecuária é um dos segmentos ditos “poluidores do ar” que mais bem fez o seu exercício de mea culpa (traduzindo: assumir sua parte no problema). As nossas universidades e instituições de pesquisas possuem uma vasta literatura composta por artigos científicos e teses elaboradas por respeitados mestres e doutores, a qual demonstra detalhadamente o quanto a mudança de manejo de solo, a derrubada de floresta, o rebanho bovino, os fertilizantes, as máquinas agrícolas, entre outros contribuem para a mudança do clima em curso. E, pasmem, pode-se afirmar com convicção que a atividade agropecuária não é a principal causa e, também não é a solução, para as mudanças de temperatura atmosférica que o mundo está vivendo.
O nosso objetivo aqui não é defender cegamente a agricultura, mas sim jogar luz sobre os fatos reais. É inegável que derrubar as florestas, degradar o solo agrícola ou promover queimadas liberam para a atmosfera grande quantidade de monóxido de carbono, o qual é o responsável pelo efeito estufa e aquecimento do planeta. Porém, retirar o petróleo do subsolo, refinar e colocar no tanque dos milhões de automóveis e caminhões tem potencial de poluição com monóxido de carbono do ar em proporções que podem extrapolar os valores gerados pela agricultura. Daí vem a pergunta: vamos diminuir a produção de carros (pelo menos até a titubeante tecnologia de carros elétricos se solidificar)? Vamos abrir mão de ter mais de um carro por família? Outros luxos da sociedade no geral também precisam entrar no sacrifício, pois a agricultura sozinha não tem como produzir alimentos e sequestrar o carbono dela e da atividade urbana/industrial.
Estudos com experimentos de longa duração distribuídos nos quatro cantos desse País demonstram que os solos têm uma capacidade limitada de estocar carbono. Não existe método de manejo do solo que faça com que ele sequestre carbono do ar além de um limite. E olha que somos o País referência em adoção de plantio direto no mundo.
Um bom argumentador diria que a solução mais óbvia seria reduzir as áreas agrícolas, sem a abertura de novas zonas de produção, especialmente nas regiões que ainda desfrutam da presença de campo nativo, floresta ou Cerrado naturais. Concorda-se plenamente com isso. Porém, deve-se dizer que a Revolução Verde formulada pelo ganhador do Nobel da Paz de 1970, o engenheiro agrônomo americano Dr. Norman Borlaug, com sua filosofia de uso de boas sementes genéticas e, principalmente, aplicação de fertilizantes, já fez com que a agricultura se verticalizasse em produção, ou seja, aumentou-se muito a produtividade agrícola atual. Isso possibilitou ao produtor rural abandonar áreas mais marginais à prática agrícola (terras declivosas, pouco férteis, margens de rios, entre outras). Essas áreas foram reflorestadas, artificial ou naturalmente, e compõem as áreas de proteção permanente de muitas propriedades rurais atualmente.
Antes de adentrar no mundo acadêmico/científico, nasci e me criei na zona rural, produtora de tabaco e outras culturas de subsistência em pequenas propriedades rurais, de uma pequena cidade do centro do Rio Grande do Sul (município de Agudo). Lembro que até os anos 2000, toda a área da propriedade que fosse possível ser cultivada, o era. A legislação era permissível e os insumos como fertilizantes eram pouco usados. Ao retornar hoje em dia a esses rincões da minha terra natal, observa-se que mais de 40% daquelas áreas agrícolas se tornaram mata natural ou floresta plantada de novo. Um exemplo notório da tecnologia agrícola ajudando o meio ambiente. Isso é a realidade de muitas pequenas e médias propriedades rurais do Brasil. Por outro lado, o meio urbano ainda não é bom exemplo (salvo algumas cidades exceções) quando falamos em reflorestamento e arborização. Nossos centros urbanos são em geral pobres em termos de arborização. Não existe planejamento de arborização urbana. Cortam-se as árvores sem critério nenhum, pois supostamente atrapalham uma rede elétrica que nem deveria estar sobre a calçada. É evidente que o verde nas cidades é tão importante quanto as florestas na zona rural para mitigar o efeito estufa.
Como cientistas estamos envidando todos os esforços para que a agricultura seja sustentável para os humanos e o meio ambiente. Exemplos são os programas da Embrapa de produção de Soja e de Trigo com o selo de Zero Carbono, ou seja, tudo que é produzido de carbono será mitigado/sequestrado em igual montante na própria lavoura. A constante pressão ambiental sobre o campo rendeu frutos e a preocupação com o solo (patrimônio máximo do agricultor) e as práticas sustentáveis de produção são parte do cotidiano do meio rural. No entanto, esses esforços em evolução contínua do setor produtivo rural para frear a mudança climática serão em vão se a sociedade urbana não assumir sua parte no compromisso global de deixarmos um mundo melhor para nossos filhos.
Autor Fabiano Daniel De Bona, Pesquisador da Embrapa Trigo
Doutor em Solos e Nutrição Mineral de Plantas
Joseani Antunes (MTb 9693/RS)
Embrapa Trigo
10/12/2024
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