Cigarrinha do milho: um mal que pode comprometer até 70% da produtividade se não controlado
Safra 2022/23 registra presença do inseto em lavouras com milho recém-emergido em Mato Grosso e liga o sinal de alerta dos produtores
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Devido à capacidade de deslocamento, cada vez mais a presença da cigarrinha do milho é observada em lavouras com milho recém-emergido em Mato Grosso e outros estados do país. Segundo o setor produtivo e especialistas, o complexo do enfezamento pode comprometer em até 70% a produtividade de uma lavoura.
Foto: Abramilho
A cigarrinha do milho não é um inseto novo a atacar as lavouras brasileiras. Os primeiros relatos datam de 1930. Contudo, com a expansão da segunda safra do cereal a presença do inseto se tornou mais frequente e começou a apresentar resistência às aplicações.
Em 2015 notou-se um aumento da população nos estados da região Sul, com destaque para Santa Catarina, e em 2019 espalhou-se para outras regiões, com maior incidência no Centro-Oeste.
“A partir de 2019 observa-se um aumento nos registros de cigarrinha, sendo que na safra passada a Conab detectou a presença da praga em 11 estados brasileiros”, comenta o diretor-técnico da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Daniel Rosa.
Daniel Rosa pontua que a Abramilho em 2019 alertou o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) sobre o aumento de casos.
“Mas, havia ainda uma certa resistência devido à dúvida se se tratava efetivamente da cigarrinha ou apenas estresse hídrico, pois os sintomas avançados da doença se assemelham ao visto no milho quando exposto ao estresse hídrico. A partir de então iniciou-se uma análise laboratorial das plantas e capturas de cigarrinha, o que levou a comprovação do aumento da incidência da praga nas lavouras”, salienta Daniel Rosa.
Foto: Abramilho
Produtividade pode cair se inseto não controlado
Na safra 2021/22, conforme o setor produtivo e especialistas, não é possível afirmar o quanto se perdeu em produtividade devido ao enfezamento provocado pela cigarrinha do milho. O que se sabe é que ao menos 11 estados tiveram perda de produtividade com a praga.
Entretanto, sabe-se que se não controlado, o complexo do enfezamento pode comprometer em até 70% a produtividade de uma lavoura a depender do estágio de desenvolvimento da planta e da população de insetos. Isso porque, entre a sua fase de emergência até V8, o enfezamento causa redução do sistema radicular da planta em até 60%.
Outro problema destacado é o encurtamento dos entrenós, o que faz com que a planta não ganhe altura necessária para um bom desempenho.
“Posteriormente, este milho terá uma má formação das espigas e problemas no enchimento de grãos. Ocorrerá também o aumento de grãos ardidos. Podendo inviabilizar inclusive seu uso para silagem animal”, explana Daniel Rosa.
Foto: Viviane Petroli/Canal Rural Mato Grosso
Presença em milho recém-emergido na safra 2022/23
A presença da cigarrinha do milho em fase inicial de desenvolvimento, ou seja, em lavouras com milho recém-emergido, nesta safra 2022/23 tem causado preocupação no setor produtivo do cereal em Mato Grosso e demais estados, pois seu impacto será maior que em plantas mais desenvolvidas.
“Ela está cada vez vindo mais cedo, principalmente por causa do milho tiguera. Então, como não houve um controle, por mais que tenha sido difundido, ainda tem muito produtor que não se atentou para isso e não controlou. Você tem a todo o tempo cigarrinha vindo”, pontua Glauber Silveira, diretor-executivo da Abramilho.
A situação vista neste começo de segunda safra do milho, explica Glauber Silveira, decorre da presença de milho tiguera em meio às lavouras de soja. “Historicamente você plantaria a soja, ficaria um tempo sem ter milho, um hospedeiro. Você diminuiria a incidência e demoraria um pouco para começar a aparecer. Como é o caso da ferrugem asiática”.
Pesquisadores e indústria buscam solução
Foto: Arquivo/Canal Rural
Em Mato Grosso, a presença da cigarrinha do milho, comenta a pesquisadora da Fundação Mato Grosso, Lucia Vivan, surgiu muito forte na safra 2020/21, em especial na região da BR-163, em municípios como Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum. De acordo com ela, o inseto era muito visto em lavouras de Primavera do Leste, contudo sem causar danos econômicos.
“Nesse ano coincidiu de nós termos uma janela de plantio muito grande. Teve seca para o início da cultura da soja, então, a gente teve praticamente plantio de milho, tirando a primeira safra, ali de meados do final de janeiro até o final de março. Essa janela de plantio muito grande fez com que essa população sempre tivesse para onde se deslocar. Ela foi aumentando, além do mal controle”, explica Lucia Vivan para tal crescimento da presença do inseto.
A pesquisadora da Fundação Mato Grosso frisa que estudos quanto a cigarrinha do milho estão em andamento. Nesta safra 2022/23 é realizado, por exemplo, o monitoramento de uma área nas proximidades de Rondonópolis que teve milho safra.
“A gente tem as armadilhas de cola e cada semana quantificamos essa população. Depois disso vamos quantificar as áreas de milho segunda safra”, diz Lucia Vivan.
Questionada sobre a busca por tecnologias resistentes a praga, a pesquisadora pontua que tanto o setor da pesquisa quanto da indústria vem buscando encontrar resistência para a mesma.
“Tanto que hoje o que temos são plantas tolerantes, que conseguem se desenvolver bem, ter uma boa produtividade mesmo com a doença. Porque, a planta tolerante ela tem a doença, mas não afeta o desenvolvimento dela. Não é uma planta resistente que eu não tenho a doença presente ali”.
Presente no lançamento da sétima temporada do projeto Mais Milho, em 15 de fevereiro, em Campo Grande (MS), gerente comercial da Ihara, Edésio Vilela, o mercado tem buscado levar aos produtores a cada ano novas tecnologias, em especial para a cigarrinha do milho.
Foto: Canal Rural
“É uma praga relativamente nova. Os problemas mais sérios começaram há uns cinco anos e as empresas vem nessa busca por ferramentas para o produtor. Na Ihara não é diferente. A Ihara é uma empresa de tecnologia, de pesquisa. Nós já trouxemos alguns produtos para estar auxiliando os produtores”, comentou, na ocasião, Edésio Vilela.
A cultura do milho em Mato Grosso deverá estar presente em mais de 7 milhões de hectares na segunda safra e conta com uma previsão superior a 46 milhões de toneladas, considerando a produtividade média obtida nas últimas safras, superando pelo segundo ano consecutivo a produção de soja.
O cereal no estado, e no país, se tornou tão importante quanto a oleaginosa em termos de rentabilidade da lavoura, afirmam especialistas e o setor produtivo.
“Junto com este tamanho de relevância, chegaram novos desafios ao produtor. A Basf está cada vez mais próxima dos agricultores, entendendo as suas necessidades e oferecendo soluções voltadas para os sistemas produtivos e visando longevidade dos cultivos e o equilíbrio dos negócios a longo prazo”, diz o gerente de Desenvolvimento de Mercado da Basf, na diretoria de Negócios Mato Grosso, Alexandre Santaella.
Foto: Agência Marca Studio Criativo
Brasil possui rigoroso processo de registros de novas soluções
O Brasil é um país com um rigoroso processo para registro de novos defensivos agrícolas, podendo levar cerca de oito anos para aprovação, tendo que passar pela avaliação do Mapa, Ibama e Anvisa.
“Investir em inovação é fundamental no agronegócio, principalmente na agricultura tropical que é muito desafiadora. Até chegar ao efetivo lançamento de uma solução, é necessário passar pelas fases de descoberta, pré-desenvolvimento e desenvolvimento. O desenvolvimento de uma nova molécula para defensivos agrícolas é um processo que pode demorar cerca de uma década”, explica Alexandre Santaella.
Eliminação de tigueras é uma das ações de controle
A cigarrinha do milho é um inseto transmissor natural dos patógenos denominados enfezamento pálido e enfezamento vermelho, doenças causadas por molicutes.
Especialistas explicam que no caso do enfezamento pálido o responsável pela doença é o molicute espiroplasma, enquanto no enfezamento vermelho é o molicute fitoplasma.
Foto: Viviane Petroli/ Canal Rural Mato Grosso
A Abramilho e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) frisam que por ainda não haver variedades de milho resistentes ao complexo do enfezamento, o produtor deve adotar uma série de medidas para evitar e controlar a proliferação da praga.
A primeira delas é a eliminação do milho tiguera, principal ponte verde, uma vez que a cigarrinha se alimenta e se reproduz apenas no milho e transmite os molicutes somente no cereal.
Outras nove ações são:
Não semear milho ao lado de lavouras adultas;
Utilizar cultivares tolerantes;
Sincronizar o período de semeadura da região;
Realizar o tratamento de sementes;
Fazer rotação de cultura e evitar o plantio sucessivo de gramíneas;
Realizar rotação de princípios ativos;
Monitorar a presença da cigarrinha entre as fases V7 e V8;
Evitar a perda de espigas e grãos nas lavouras; e
Também evitar a perda de grãos no transporte.
Paulo Garollo, especialista em milho da Bayer, em entrevista ao programa Diálogos do Campo, do Canal Rural, destacou ser importante, inclusive, manter as práticas de manejo até mesmo nas fases R3, R4 e durante o período de restrição hídrica, uma vez que também contribui para a maximização da população.
“Nós temos que adotar uma coisa que se chama conscientização do problema. A genética está voltada para isso hoje. A Companhia ao qual faço parte ela tem um foco total para isso. Não é da noite para o dia realmente, mas nós estamos evoluindo muito nisso. Só que tem um porém. A genética sozinha também não resolve”, endossou Garollo.
Milho tiguera é considerado por especialistas um “hotel” para a praga. Foto: Pedro Silvestre/Canal Rural MT
Garollo pontuou ainda que testes com híbridos de alta tolerância em mau manejo chegaram a apresentar perda de 30% a 35% do potencial produtivo.
“Então, também não resolve o problema. É uma ferramenta que nós estamos acelerando. É preciso eliminar o tiguera, pois é uma planta literalmente sem nenhum tratamento. É o hotel com alimento, com cama, com tudo bonitinho para cigarrinha e para os agentes causais”.
Produtor em Nova Mutum, Lucas Beber, também presente no programa Diálogos do Campo, frisou que a situação nada mais é do que “a evolução da agricultura”.
“A gente tem um aumento de área, um aumento de produção, mas com isso vem as pragas. Nunca novidade. O produtor quando acha uma solução que resolve um problema, que encontrou uma solução, chega um novo problema mais complexo”, disse Lucas Beber.
Em Lucas do Rio Verde nesta safra 2022/23, conforme produtores locais e pesquisadores, não foi realizado o plantio de milho primeira safra. Guiverson Bueno comenta que, por lá, no atual ciclo “a cigarrinha não está incomodando ainda. Está bem tranquilo”.
“O produtor de toda forma está fazendo o manejo preventivo para que a população não aumente e aconteça a reprodução. Cada ano que passa o produtor fica mais preparado. Quando acontece alguma praga ou doença ele sempre se prepara e consegue se antecipar para que não aconteça igual ocorreu nos últimos anos de explodir a população e ficar incontrolável”, comenta o produtor de Lucas do Rio Verde, Guiverson Bueno.
canalrural.com.br 06/03/2023
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