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A cana e o combustível do futuro

A cana e o combustível do futuro

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Produtos sucroalcooleiros são matéria-prima para o hidrogênio verde, apontado como substituto sustentável do petróleo 

Depois do etanol e do etanol de segunda geração, o setor sucroalcooleiro deve encabeçar mais uma revolução no setor de combustíveis. A cana-de-açúcar vem sendo apontada como possível matéria-prima para a produção de hidrogênio verde, ou musgo, considerado o substituto do petróleo e gás num futuro não muito distante. 

Mas afinal, o que é hidrogênio verde? O hidrogênio (H2) é o elemento químico que mais existe na natureza, correspondendo a aproximadamente 70 % da superfície do planeta. Foi identificado pela primeira vez pelo cientista britânico Henry Cavendish em 1776. 

Ele está presente em muitas coisas, como combustíveis fósseis, água, plantas, animais e até mesmo em humanos, mas nunca aparece naturalmente na forma pura. 

Isso significa que, para obter hidrogênio puro, ele precisa ser separado de outras moléculas por meio de processos que também requerem energia. 

Sua produção, atualmente, se dá quase que totalmente através de processos químicos a partir de fontes fósseis, como carvão, petróleo e gás. E por esta razão, ele é conhecido como hidrogênio cinza, e sua utilização na indústria é responsável pela emissão de gases do efeito estufa.  

Até hoje, o uso do hidrogênio cinza se concentrou em aplicações muito específicas, como no refino de petróleo ou na produção de amônia para fertilizantes. Mas, a partir de agora a perspectiva será diferente. 

Hidrogênio verde pode ser solução para mudanças climáticas 

O hidrogênio verde (H2V) pode ser a grande solução para substituir os combustíveis fósseis e reduzir as emissões de carbono (CO2). Foto: Arquivo

As mudanças climáticas, em especial o aquecimento global, estão cada vez mais claras no nosso cotidiano e demonstram a necessidade de uma mudança profunda na matriz energética que move a nossa economia. É neste cenário que o hidrogênio verde vem sendo apontado como a solução para conter o efeito estufa. 

O hidrogênio verde é um grande carregador de energia, que pode ser utilizado tanto como combustível, como para produção de eletricidade. A energia contida em 1,0 kg de hidrogênio corresponde à energia de 2,75 kg de gasolina. 

Ao contrário do hidrogênio cinza e dos combustíveis fósseis, que liberam carbono ao serem utilizados, o hidrogênio verde ou musgo, quando consumido, libera vapor de água.  

Para cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, será necessário cortar em 60% as emissões de dióxido de carbono até 2050 – e somente o hidrogênio verde poderia permitir a descarbonização de alguns setores, como transporte, siderurgia e a produção de fertilizantes.

Ele pode ser produzido de duas formas. A primeira é via eletrólise, um processo de separação das moléculas da água (H2O). O processo, para ser considerado limpo e verde, deve utilizar eletrolisadores movidos à energia renovável, eólica ou solar.  

A segunda maneira é a partir da reforma ou gaseificação da biomassa ou biogás, eventualmente produzido a partir de resíduos agroindustriais, e do próprio etanol. O hidrogênio produzido dessa forma também é conhecido como hidrogênio musgo. 

O setor sucroalcooleiro 

Derivados e subprodutos da cana-de-açúcar podem ser matéria-prima para o hidrogênio musgo. Foto: Raízen/Divulgação

Como o Brasil tem uma cadeia de produção, distribuição e armazenamento de etanol bem estabelecida, essa indústria vem buscando oportunidades no mercado de hidrogênio. Uma das possíveis formas de produção do hidrogênio verde, seria a partir do próprio etanol, através da reforma.

“A fórmula química do etanol – C2H5OH – mostra que ele tem bastante hidrogênio. Existe no Brasil uma tecnologia única no mundo de conversão de etanol em hidrogênio”, disse Edmundo Barbosa, presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado da Paraíba (Sindalcool), à agência epbr. 

Segundo o executivo, 7,6 litros de etanol são capazes de gerar 1kg de hidrogênio. Ele explica que os reformadores poderiam estar localizados nos próprios postos de abastecimento hoje existentes, uma vez que já é uma tecnologia madura. 

“Hoje já conseguimos fazer 20 metros cúbicos de hidrogênio por hora e vamos, em pouco tempo, escalar para 200 metros cúbicos por hora a partir do etanol. Essa tecnologia está madura e já é comercial”.

Água de vinhaça

Por tem 95% de água em sua composição, a vinhaça, pode passar por um processo de eletrólise para quebrar as moléculas de água e gerar oxigênio e hidrogênio verde. Foto: TV Tem/Reprodução

Outra proposta é a eletrólise da água de vinhaça, sugerida pelo professor Thiago Lopes, que está à frente do novo Laboratório de Células a Combustível, do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 

Segundo Lopes, é possível desenvolver um eletrolisador que processe a vinhaça e possa ser inserido na realidade da indústria sucroalcooleira nacional.

A vinhaça é um resíduo poluente gerado pela produção do etanol. Estima-se que a cada um litro de etanol são produzidos cerca de 10 litros de vinhaça. 

“A vinhaça tem 95% de água em sua composição. A ideia é que por meio desse reator possamos quebrar as moléculas de água para gerar oxigênio e hidrogênio verde”, diz.

O pesquisador acredita que o hidrogênio verde possa ser utilizado principalmente na produção da amônia que entra na composição de fertilizantes.

“Hoje a amônia é sintetizada com o hidrogênio proveniente de gás natural, o que gera uma pegada de CO2”, conta.

Já o oxigênio puro poderia ser utilizado para a combustão do bagaço da cana-de-açúcar, também decorrente da produção de etanol, para a produção de eletricidade. 

Outra vantagem do processo de eletrólise da vinhaça seria a redução do seu volume.

“É um volume gigantesco para armazenar e transportar. Se estiver mais concentrada, livre de uma fração da água, a vinhaça vai ocupar menos espaço e demandar menos transporte. Vale dizer que esse transporte, em geral, é feito por caminhões movidos a óleo diesel, e isso adiciona pegadas de CO2 ao etanol brasileiro”, aponta Lopes.

Segundo ele, essa vinhaça concentrada também minimizaria a adição de adubo sintético à lavoura, evitando a poluição da água.

“A mistura de vinhaça e adubo sintético provoca maior emissão de CO2. Sem contar que ao reduzir o volume de água, evitamos que o excesso de líquido chegue ao lençol freático e polua os rios”.

Célula a combustível

Na célula a combustível, o hidrogênio reage com o oxigênio, liberando, então, energia que move o veículo. Foto: istock

Outra tecnologia estudada pelo setor sucroalcooleiro são as células a combustível de etanol, uma alternativa aos veículos elétricos movidos à bateria de lítio. As células a combustível são conversores diretos de energia química em elétrica e térmica, de funcionamento contínuo (diferentemente das baterias), que produzem corrente contínua pela combustão eletroquímica a frio de um combustível, geralmente o hidrogênio.

O hidrogênio verde também pode alimentar os veículos com motor de célula a combustível. A indústria automotiva brasileira, inclusive, já vem sinalizando que a célula a etanol seria uma boa opção para o Brasil.

A Volkswagen no Brasil está desenvolvendo pesquisas neste sentido junto à Universidade Federal de Campinas (Unicamp).  Esta é mais uma iniciativa da companhia no País que está alinhada à meta global da marca de tornar o seu negócio neutro em carbono em todo o mundo até 2050.

“A proximidade com a Unicamp fortalece e nos traz o conhecimento necessário para a nossa estratégia de descarbonização, uma vez que irá desenvolver tecnologias com base no etanol, um combustível com baixa emissão de CO2, para utilização no mercado interno e exportação”, disse Pablo Di Si, presidente e CEO da VW América Latina. 

O Grupo Volkswagen pretende também criar um Centro de Pesquisa & Desenvolvimento no Brasil, voltado para o estudo de soluções tecnológicas baseadas no etanol e células a combustível.

O professor Thiago Lopes também defende essa estratégia e acredita que por volta de 2040 a produção desse tipo de veículo vai deslanchar no Brasil.

“Isso deve acontecer, sobretudo, em relação às frotas de ônibus e caminhões, porque um motor de célula a combustível é mais leve do que o motor de um veículo elétrico a bateria, em particular para veículos que rodam mais de aproximadamente 450 km diários”, informa Lopes.

No motor de um veículo com célula a combustível, o hidrogênio reage com o oxigênio que vem do ambiente. A energia elétrica liberada, então,  alimenta o veículo e o processo gera como resíduos apenas calor e água pura.

O laboratório comandado pelo professor também vai se debruçar sobre as pesquisas de células a combustível em conjunto com o Imperial College London.

Protótipo em circulação 

 

Carro piloto da Nissan com célula a etanol tem autonomia superior a 600 km com 30 litros de etanol. Foto: Nissan/Divulgação

A Nissan também anunciou, no ano passado, uma parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) para que possam desenvolver em conjunto uma tecnologia comercialmente viável de célula de combustível a etanol. A expectativa é que os estudos sejam concluídos em 2025.

“É uma tecnologia impressionante que vai ajudar não só a Nissan em nível global, mas também o Brasil, já que é o maior produtor mundial de etanol”, disse Airton Cousseau, presidente da Nissan Mercosul e diretor geral da marca no Brasil, durante apresentação do projeto à imprensa.

O sistema adotado pela Nissan é a SOFC (Solid Oxide Fuel Cell, em português Célula de Combustível de Óxido Sólido), que utiliza o etanol para criar eletricidade.

Nessa tecnologia, o etanol passa por um equipamento chamado reformador, que vai extrair o hidrogênio, que por sua vez será combinado ao oxigênio do ar na célula propriamente dita. É a reação química dentro da célula (eletrólise) que vai gerar a eletricidade que alimentará o motor elétrico.

A companhia já possui um protótipo com a utilização deste tipo de sistema, com uma autonomia superior a 600 km com 30 litros de etanol. Por contar com uma ampla rede de abastecimento de etanol, disponível em postos de todo o Brasil – e ser um dos principais produtores do mundo –, o Brasil tem sido peça chave para o desenvolvimento e estudos de viabilidade do projeto.

Segundo a Nissan, há duas grandes vantagens dos veículos com célula SOFC em relação aos automóveis elétricos tradicionais. Como a eletricidade vem do etanol que está no tanque, o carro não precisa de uma enorme bateria, que chega a representar 25% do peso total do veículo. Basta uma versão muito menor, que seria constantemente recarregada pela célula de combustível.

O segundo benefício é a facilidade e rapidez de abastecimento. Não é necessário que haja uma rede de carregadores distribuídos pelo país nem é preciso esperar mais de uma hora para recarregar a bateria, como ocorre num automóvel elétrico convencional.

O veículo equipado com célula SOFC aproveita a rede de postos de combustível que já vendem etanol no Brasil, enquanto o tempo de abastecimento é o mesmo para encher um tanque normal.

“Não existe problema de recarga porque a infraestrutura já está criada. É a mesma que usamos para o veículos que já rodam no Brasil”, diz Airton Cousseau,

Brasil pode exportar células a etanol

Para o CEO da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, o Brasil deve ser um exportador de tecnologias de etanol, como a célula de combustível, tanto para países vizinhos como para o continente europeu e potências emergentes como China e Índia.

“O Brasil precisa pensar grande, precisa se mostrar para o mundo como um importante desenvolvedor de biocombustíveis, exportando tecnologia, e não só o etanol”, disse o executivo durante webinar promovido pela Fenasucro, no ano passado.

“Temos que pensar no etanol, na célula de combustível. Ela pode ser transportada em contêiner e exportada para a Europa, para a China”, completou.

Segundo Di Si, será necessário investir em pesquisa e desenvolvimento em instituições nacionais, para que o Brasil possa ocupar de fato um papel de protagonista mundial no tema dos biocombustíveis.

“O etanol pode ser uma tecnologia complementar para veículos a combustão, híbridos e elétricos, desenvolvida no Brasil com potencial para exportação (…) O etanol funciona bem no Brasil e funcionará bem com algum componente misturado em alguns outros países, embora a base seja sempre etanol”, comentou.

Usos do hidrogênio verde

Hidrogênio como matéria-prima

Hidrogênio para siderurgia

Hidrogênio verde pode ser utilizado como insumo na produção de metais. Foto: Arquivo

O hidrogênio verde pode ser usado para produzir ferro esponja (DRI)5 ou o HBI6 usados nos processos BOF7 e EAF8 , ou como substituição do carvão em PCI9 no processo BOF. O HBI, em particular, pode ser exportado, unindo a competitividade do Brasil no minério de ferro e no hidrogênio verde para exportar metálicos ou aço de baixo carbono.

Amônia para fertilizantes e produtos químicos

A amônia verde pode ser usada como matéria-prima para produzir fertilizantes e explosivos sem as emissões de carbono da amônia cinza.

Hidrogênio para refinarias de petróleo

O hidrogênio cinza pode ser substituído diretamente pelo hidrogênio verde nos processos da refinaria.

 

Hidrogênio como combustível para transportes

Hidrogênio como combustível para veículos de passageiros

Os automóveis de passageiros podem ser descarbonizados substituindo os motores de combustão interna a diesel por baterias (BEV) alimentadas por eletricidade ou células de combustível (FCEV) alimentadas por hidrogênio.

Hidrogênio como combustível para frete ferroviário de longa distância

O transporte ferroviário pode ser descarbonizado usando hidrogênio ou eletricidade como substitutos do diesel.

Amônia ou metanol para navios graneleiros e porta-contêineres

Os navios podem utilizar no futuro a amônia verde, derivado do hidrogênio, como combustível sustentável. Foto: Maersk/Divulgação

O transporte marítimo de carga pode ser descarbonizado substituindo os navios de combustível fóssil por navios que usem amônia ou metanol. Graneleiros serão um mercado relevante para o Brasil, com muito transporte de minério de ferro e grãos agrícolas partindo do Brasil para a Ásia.

Hidrogênio como combustível para frete rodoviário (caminhões médios e pesados)

O transporte rodoviário, especialmente o transporte pesado em longas distâncias, pode ser descarbonizado com a substituição dos caminhões a diesel por caminhões a hidrogênio verde (com células combustível) – ou com baterias.

Hidrogênio como combustível para caminhões de mineração

Caminhões e veículos de transporte de mineração podem ser descarbonizados substituindo os motores de combustão interna a diesel (ICE) por baterias (BEV) alimentadas por eletricidade ou ICE e célula de combustível (FCEV) alimentadas por hidrogênio.

 

Uso energético industrial

Hidrogênio para aquecimento de graus médio e alto

O hidrogênio pode ser usado para gerar calor industrial de grau médio (entre 277°C e 650°C) ou alto (superior a 650°C) usado em processos industriais, como em indústrias de papel e celulose, cimento e aço.

Hidrogênio para turbinas de ciclo combinado

Estudos pesquisam a viabilidade de se misturar o hidrogênio verde ao gás natural nas redes de distribuição. Foto: Arquivo

O hidrogênio pode ser usado como combustível único ou misturado ao gás natural em turbinas a gás de ciclo combinado para a geração de energia.

Hidrogênio para mistura com gás natural

O hidrogênio pode ser misturado ao gás natural na rede de distribuição de gás, em proporções baixas.

Fontes: McKinsey, agência epbr, Nissan, Volkswagen, Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI)

alavoura.com.br 07/04/2022

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