Corantes naturais feitos de resíduos tem potencial para substituir os sintéticos
Para serem aplicados na indústria, no entanto, será necessário resolver problemas como a estabilidade dos compostos e a padronização das cores
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Casca de uva, de tomate, de beterraba, de cenoura, de amora e de framboesa. Esses são alguns resíduos da indústria de alimentos e bebidas que têm grande potencial de serem fontes de corantes naturais. Além de ricos em carotenoides e antocianinas (substâncias químicas responsáveis por dar cor aos vegetais), vários deles carregam propriedades benéficas à saúde, mesmo que em pequenas quantidades. A uva, por exemplo, tem alto teor de resveratrol, uma substância antioxidante, anti-inflamatória e cardioprotetora.
O uso desses resíduos para a produção de corantes está no radar dos cientistas há décadas, mas ainda não despertou a atenção da indústria. Embora hoje alguns dos corantes mais utilizados pela indústria alimentícia sejam naturais, como extratos de urucum, carmim de cochonilha, curcumina, antocianinas e betalaínas, os sintéticos ainda são muito mais vantajosos para determinados alimentos e processos, uma vez que os corantes naturais têm alguns problemas que a tecnologia ainda não resolveu.
Segundo o engenheiro de alimentos Rodrigo Nunes Cavalcanti, pesquisador do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC - Food Research Center), um dos maiores inconvenientes para o uso de corantes naturais é sua alta instabilidade. "Eles são facilmente degradados em altas temperaturas e, dependendo do corante, muito instáveis ao oxigênio e à luz. As antocianinas, por exemplo, são muito suscetíveis a todos eles. Por isso, as condições operacionais e de processo são mais complicadas do que as utilizadas no trato com os corantes sintéticos", explica.
É possível minimizar os problemas causados pela exposição à luz e ao oxigênio com o uso de embalagens adequadas, por exemplo. No entanto, a questão da temperatura é mais complexa. "Isso, porque os processamentos da indústria alimentícia que envolvem pasteurização e esterilização implicam no uso de alta temperatura, necessária para se ter um alimento seguro para o consumo", diz.
Além disso, complementa Cavalcanti, é muito mais fácil manipular a intensidade e as nuances da cor nos corantes sintéticos do que nos naturais. "Vamos supor que se queira usar o repolho roxo como fonte. A intensidade da cor dessa fonte é variada na natureza; é preciso padronizar. A intensidade tem a ver com o grau de diluição do corante, mas há uma limitação para isso, que é a fonte do corante. Além do mais, no caso dos naturais, é muito mais difícil, por exemplo, deixar uma cor mais vibrante e intensa que a coloração da concentração base sintetizada a partir da matéria prima orgânica. Com os sintéticos, há mais margem para manipulação. Para trabalhar com os naturais, é preciso saber muito bem qual é a amplitude de cores que aquele corante permite", resume.
As antocianinas encontradas na uva, framboesa, amora e mirtilo, por exemplo, fornecem tonalidades diferentes que variam desde o vermelho, violeta ao azulado, dependendo da acidez. "É preciso garantir que o pH do produto se mantenha estável para se ter uma cor igualmente estável."
Custo atrativo - O maior apelo para o investimento em corantes feitos de resíduos seria o custo, crê Cavalcanti, que trabalhou com extração de antocianinas a partir de resíduo de jaboticaba durante o seu doutorado. "É mais barato extrair o corante do resíduo. No caso da uva, por exemplo: extrair o corante da fruta ainda não processada teria um impacto de custo muito alto. Mas, se a indústria já é a detentora do resíduo, o custo de obtenção do resíduo é praticamente zero. Mesmo que o resíduo seja adquirido por outra indústria, certamente custará bem menos do que a uva íntegra. Além disso, o fato de o corante vir do resíduo facilita a extração, pois na uva a antocianina está na casca. Assim, pré-separada a casca, o processo de obtenção do corante é facilitado", explica.
Outro apelo para a substituição dos sintéticos pelos naturais está relacionado à saúde. Apesar de os sintéticos terem a seu favor o domínio do processo e a qualidade e a estabilidade do produto final, há uma preocupação se eles poderiam provocar danos à saúde. "Alguns estudos indicam, por exemplo, que determinados c o r a n t e s s i n t é t i c o s poderiam estar associados a efeitos prejudiciais em alguns órgãos ou serem carcinogênicos, dependendo da quantidade ingerida e da frequência de uso, assim os problemas seriam decorrentes de efeito cumulativo", afirma Cavalcanti.
Embora muitos consumidores rejeitem os aditivos artificiais por esses motivos, cabe lembrar que os c o r a n t e s n a t u r a i s, assim como os sintéticos, também podem ser responsáveis por algumas reações adversas em pessoas sensíveis a um componente específico.
De todo o modo, os corantes naturais têm a vantagem de conter compostos bioativos benéficos à saúde, porém em pequenas quantidades. "Os resíduos geralmente mantêm essas propriedades, mas durante o processamento é preciso usar tecnologias adequadas para evitar sua degradação. Há métodos de processamento, como o uso da alta pressão, por exemplo, no qual a temperatura usada é mais amena, e a perda nutricional, menor."
Pouco interesse - O pesquisador acredita que existe ainda pouco interesse da agroindústria em utilizar esses resíduos para a obtenção de corantes. "No Brasil, há poucas iniciativas nesse sentido, talvez porque as empresas imaginem que o uso de resíduos não terá grande impacto econômico no faturamento. Talvez se esqueçam que há outras vantagens além da econômica, como a sustentabilidade e a agregação de valor ao resíduo."
Em sua avaliação, a disponibilidade da matéria prima ao longo de todo o ano é um dos pontos que devem ser observados para quem deseja implantar um projeto do gênero. "Também é aconselhável que seja um resíduo produzido em larga escala, em quantidade suficiente para manter a produção de corantes. A uva é uma excelente opção, porque existe a oferta do resíduo da indústria de sucos e do vinho. O tomate também é uma ótima opção, pois já existe resíduo da produção de extrato, polpas e de molhos prontos. No caso dele, o licopeno está no fruto todo, casca e polpa."
O mesmo raciocínio vale para a produção de licores, de geleias e doces. "Tudo isso gera resíduos em grande escala industrial, que podem ser utilizados para a obtenção de corantes e outros subprodutos."
Ele lembra que a beterraba, rica em betalaína, também gera um excelente corante, já muito utilizado pela indústria e fabricado como insumo por empresas do setor na Europa, nos EUA e na Ásia. O principal obstáculo quanto ao uso do resíduo dessa raiz para geração de corantes, no Brasil, é que aqui ela é comumente consumida in natura, ou seja: o processamento se dá na casa do consumidor - a exemplo de outros vegetais, como o repolho roxo. Portanto, esses resíduos não estão disponíveis em grande escala. "Na Europa onde a beterraba é uma fonte de sacarose, ela é processada, inclusive para geração de corantes. Utilizar os resíduos também para esse fim seria somente um passo a mais."
Data de Publicação: 08/07/2020 às 15:20hs
Fonte: Acadêmica Agência de Comunicação
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