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Como os insetos-praga surgiram e por que isso nos interessa?

Como os insetos-praga surgiram e por que isso nos interessa?

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Os maiores competidores com o ser humano por alimentos de origem vegetal são os fungos e os insetos-praga. Embora sejam considerados daninhos, esses organismos estão meramente cumprindo sua função biológica, ou seja, alimentando-se e reproduzindo-se. E o fazem com alta eficiência. Não por acaso, os insetos são os seres vivos mais numerosos do planeta Terra, com quase 1 milhão de espécies conhecidas. Para ter uma ideia da dimensão dessa diversidade, imagine que só o número de espécies de besouros (350 mil) é maior que de todas as plantas vasculares juntas (250 mil). Seria necessário ver mais de nove espécies de besouro por dia, durante 100 anos e sem repetir nenhuma, para observar todas as que conhecemos.

Certos aspectos biológicos, como tamanho reduzido, ciclo biológico curto e hábito alimentar diversificado, conferiram alta capacidade adaptativa aos insetos. Como resultado, são hoje encontrados em praticamente todos os ambientes, até mesmo na Antártida. Por outro lado, a grande maioria dessas espécies está distribuída em um número relativamente pequeno de ordens (Figura 1). Os insetos de importância agrícola não são exceção, concentrando-se nas ordens Hymenoptera (polinizadores, predadores e parasitoides); Hemiptera (pragas sugadoras); Diptera (larvas minadoras); Coleoptera, Lepidoptera e Orthoptera (pragas desfolhadoras).

Figura 1. Distribuição de espécies entre as principais ordens de insetos.

Fonte: Instituto Biológico do Estado de São Paulo. Imagem original disponível aqui. 

Os insetos são animais invertebrados, que dependem de um exoesqueleto rígido para garantir sua sustentação física e proteção dos órgãos internos. Esse revestimento, denominado de tegumento, também possui a função de reduzir a perda de água. Por ser rígido e inflexível, o tegumento precisa ser abandonado e renovado a cada muda do inseto (ecdise), possibilitando seu aumento de tamanho. O intervalo de tempo entre duas ecdises é chamado ínstar. Embora a maioria das espécies apresente um número fixo de ínstares, condições de baixa disponibilidade de alimento podem induzir mudas adicionais até que o inseto adquira a massa corporal necessária para tornar-se adulto.

A origem dos insetos

Do ponto de vista evolutivo, os insetos surgiram a partir de crustáceos aquáticos que adaptaram-se ao ambiente terrestre há mais de 450 milhões de anos. Esses insetos primitivos não possuíam asas e apresentavam um ciclo de desenvolvimento ametábolo. Isso significa que o inseto juvenil era morfologicamente semelhante ao adulto, alterando apenas seu tamanho ao longo do desenvolvimento, sem passar por uma metamorfose de fato. As traças (ordens Archaeognatha e Zygentoma) continuam a apresentar esse tipo de desenvolvimento, sendo consideradas, portanto, mais primitivas que as demais ordens de insetos encontradas atualmente.

Os primeiros indícios de uma metamorfose em insetos surgiram com a necessidade de adaptar suas estruturas ao vôo. Os insetos são os únicos invertebrados capazes de voar, tendo dominado os céus do planeta por mais de 100 milhões de anos, até o surgimento dos Pterossauros. Na prática, a capacidade de voar auxilia na fuga de predadores e na busca por alimento. Assim, algumas espécies de insetos passaram a desenvolver asas por meio de uma metamorfose incompleta, sendo denominados hemimetábolos. Nesse tipo de desenvolvimento, a fase juvenil (imatura) é chamada de ninfa, sendo morfologicamente semelhante ao adulto, mas desprovida de asas. Ninfas e adultos geralmente ocupam o mesmo habitat e exploram as mesmas fontes de alimento, mas apresentam diferentes tipos de cutícula.

O próximo passo na evolução dos insetos veio com o surgimento das espécies holometábolas, que apresentam uma metamorfose completa. Essa transição envolveu mudanças em nível embrionário, resultando em larvas com pouca ou nenhuma semelhança à fase adulta. Embora essa fase larval apresente pouca mobilidade, ela é capaz de explorar fontes alimentares diferentes das do adulto, reduzindo a sua interferência na reprodução e dispersão da espécie. Como resultado, os insetos holometábolos alcançaram grande sucesso adaptativo, diversificando-se e originando as ordens com maior número de espécies (Coleoptera), maior biomassa (Hymenoptera), maiores impactos na agricultura (Lepidoptera) e na saúde humana e animal (Diptera).

O que diferencia os insetos holometábolos dos demais é a ocorrência da fase de pupa, que marca a transição da larva para o adulto. Nessa fase o inseto permanece imóvel e sem se alimentar, muitas vezes dentro de um casulo, enquanto desenvolve suas estruturas adultas. Os fósseis mais antigos de insetos holometábolos datam de 320 milhões de anos atrás. Eram organismos pequenos comparados aos insetos gigantes daquela era, o que permitiu que ocupassem nichos alimentares próprios e sobrevivessem às subsequentes quedas no nível de oxigênio atmosférico, que levaram os insetos gigantes à extinção. O processo de evolução é contínuo e algumas espécies hemimetábolas, como tripes e mosca-branca, têm apresentando ciclos de desenvolvimento com aspectos de holometabolia, como um último estágio ninfal descrito como pseudo-pupa. Essa condição têm sido denominada neometabolia.

Figura 2. Linha do tempo da evolução dos insetos e seus diferentes tipos de desenvolvimento (ametabolia, hemimetabolia e holometabolia). A largura das faixas representa o número de espécies de cada ordem.

Fonte: Truman, J. W. (2019). Imagem original disponível aqui. 

Reflexos no manejo

Embora os insetos holometábolos tenham surgido mais tarde na escala evolutiva, várias de suas ordens (como Lepidoptera, Coleoptera e Diptera) apresentam larvas com aparelho buscar mastigador, considerado mais primitivo que o aparelho bucal sugador, por exemplo. A larva de mosca-da-haste (Melanagromyza sojae), por exemplo, precisa perfurar o caule da soja antes de pupar para que o adulto saia do seu interior após completar a metamorfose, já que o aparato bucal do adulto é do tipo sugador labial. Quando pensamos em insetos fitófagos, é importante lembrar que a sua evolução ocorreu de forma simultânea às plantas das quais se alimentam (coevolução), de sorte que ambos os organismos desenvolveram mecanismos específicos para atacar e proteger-se, respectivamente.

Nesse sentido, o tempo curto entre duas gerações sucessivas de insetos (embora variável de acordo com a temperatura) confere-lhes uma vantagem adaptativa sobre os demais organismos. Um exemplo característico é o tamanduá-da-soja (Sternechus subsignatus). Nativo da América do Sul, esse inseto provavelmente nunca havia tido contato com a soja antes da leguminosa ser introduzida no continente, em meados do século XX. Porém, no espaço de tempo de algumas décadas, o tamanduá-da-soja adaptou-se de tal forma a sincronizar perfeitamente seu ciclo anual de emergência com a safra de soja, tornando-se uma das principais pragas da cultura.

Várias espécies de insetos atuam como pragas agrícolas, consumindo os alimentos que produzimos e, ainda, disseminando inúmeras doenças. Portanto, seria melhor que os insetos fossem completamente erradicados do planeta, correto?

Pelo contrário. Sem os insetos, a vida na Terra entraria em colapso em poucas décadas. Cerca de 80% dos alimentos de origem vegetal que consumimos são polinizados por insetos, como abelhas, vespas e borboletas, além da contribuição de outros animais. Basicamente todo o solo de plantações e florestas é ou foi enriquecido por invertebrados terrestres, a maioria insetos, responsáveis por reciclar nutrientes a partir de matéria orgânica da superfície do solo (formigas, cupins, besouros e moscas, por exemplo). Além disso, inúmeras espécies de aves e certos mamíferos alimentam-se, prioritariamente, de insetos.

Conclusão

Os insetos são organismos com alta capacidade adaptativa, que já dominavam os mais diversos ambientes terrestres muito antes do ser humano existir. Com a intensificação da agricultura, certas espécies de insetos encontraram oferta de alimento abundante, expandindo sua ocorrência e passando a ser considerados pragas. O homem e suas técnicas de cultivo não estão à parte da natureza; portanto, não faz sentido dizer que a agricultura é prejudicial ou não ao planeta, já que tudo integra-se à dinâmica da vida e suas constantes modificações. Os insetos-praga existem e precisam ser controlados; cabe aos produtores e técnicos buscar alternativas para realizar esse manejo de forma economicamente eficiente e ambientalmente sustentável.

Revisão: Prof. Jonas Arnemann, PhD. e coordenador do Grupo de Manejo e Genética de Pragas – UFSM

REFERÊNCIAS: 

GRIMALDI, D. et al. Evolution of the Insects. Cambridge University Press, 2005.

TRUMAN, J. W. The evolution of insect metamorphosis. Current Biology, n. 29, p. 1252–1268, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.cub.2019.10.009

maissoja.com.br 11/12/2021

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